20080131

~++´+´+´~´ºç.,m

BAIRRO ZINE 0.1 
a carta desd'o bairro
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(1) APRESENTAÇÃO DE MIM MANIFESTO - retro-retrato
(2) O SINALEIRO DO PRÍNCIPE REAL - curta de esquina

(1) APRESENTAÇÃO DE MIM MANIFESTO - retro-retrato

Procurei no quotidiano a forma mais usual de apresentação entre as pessoas e encontro sempre os mesmos passos, o mesmo mecanismo: chamo-me, vivo em, nasci a e em, sou de, vim de...

Na maior parte das vezes surge apenas o nome a preceder o aperto de mão ou o beijo. Nos mais formais dos casos avança apenas a mão, em predicado; para nos cumprimentos de amigo ser toda a pessoa rodeada em amplexo e coberta de beijos, ósculos de contentamento.

Procurei na poesia forma concreta ou indefinida de alguém se concretizar e na prosa o mesmo, atributos com que o escriba se clarificasse. Bocage, Pessoa, nariz, tez e altura.

Procuro em mim e nas minhas palavras, forma mais natural e não tão formatada como o do ritual dos dias, para me descrever e encontro este, quase como um manifesto, quase como um Rosebud *1, um manifesto ponto-de-situação de mim, um alinhavado de intenções também:

«Não tenho afinidades políticas que não sejam as humanistas e observo com atenção todas as próximas a esse meu ideário. Quero os amigos bem perto e não me desejo com inimigos. Sou talvez demasiado bom quando por vezes até devia ser bastante mau, mas essa nunca é uma virtude por de menos. De estatura média, carrego nariz de verdadeira grandeza, que remata a testa límpida e a nuca de cabelo inexistente. Barba rala persistente, 3 amuletos cravados na cara, brilhando quais estrelas perdidas desta minha constelação.

Sorriso aberto e cravado de cigarro. Corpo médio magro, nem fino nem cheio; dedos de pianista sem o saber. Olhos brilhantes castanhos de cambiante irregular, tanto verde azeitona como mel, como... diz-me. Identifico-me contigo e, por isso, recebes isto, toma.»

*1 
Rosebud, última frase dita por Citizen Kane, no homónimo filme de Orson Welles, que fabricou para a primeira página da primeira edição para o primeiro jornal de muitos, um manifesto de intenções escrito à mão.

(2) O SINALEIRO DO PRÍNCIPE REAL - curta de esquina

Serve um pequeno conto como partilha do dia-a-dia, descontinuada sim, mas querida.

Seguro-me ao carro pela manhã ao sair de casa, vou ainda estremunhado e tenho que confiar nesse meu suposto piloto mecânico, não completamente automático, para me guiar. Escorrego a mão sobre a caixa de velocidades para regular o andamento do veículo e volto logo com ela ao volante, acomodando-a nas 10/10, assemelhando-me aos condutores dos filmes americanos de há uns anos atrás: em nada credíveis, as mãos sempre a par sobre o volante e agitando este, de um lado para o outro.

No meu percurso de sempre encontro-me com uma das figuras do meu imaginário de LX, o sinaleiro do Príncipe Real, da Praça do Príncipe Real, quase a chegar ao Rato, depois da Escola Politécnica e do Botânico. Este polícia sempre me encontra pela manhã e eu a ele, locomovendo-me como posso consoante a sua indicação, e comigo, o meu acessório apêndice máquina.

Sujeito-me aos seus humores de polícia e paro ao seu sinal, mão em riste, travando-me. É esta uma saudação matinal? Avançam os outros, os da rua lateral e eu espero, deixando-me levar pela dança maquinal e frenética que o polícia-sinaleiro executa à minha frente. Apito na boca e braços em manobras, executa toda uma dança em desporto de agora. Improvisa uma caixa onde se debate, os seus olhos vogam para lá e para cá, felino, a controlar todos os movimentos de quem passa e se chega. Vocaliza apenas agudos, não verbaliza palavras, constroi ordens em andamento de sinfonia, mas prescindiu do resto da orquestra e só acolhe este único instrumento.

Eu acho-o belo em todo o seu funcionar, é um mimo de azul posto em farda e de um pequeno mundo de veículos e pessoas na mão, é um dançarino em palco de alcatrão posto a improvisar, horas seguidas.

Amanhã por esta hora eu o receberei novamente, com este olhar e este sorriso. Até, agora sigo por esta rua que se me abre à direita. Vejo-o ou imagino-o a acenar-me pelo espelho retrovisor. Talvez, faço este caminho todos os dias, não poderá guardar um gesto só para mim?

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Imagem - Bica de Duarte Belo, Lisboa. Tirada numa LC-A+, workshop de lomo pela Embaixada Lomográfica

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